Friday, June 15, 2007

(Ir)responsabilidade Política

Esta estória passa-se no Alentejo profundo, no meio do, já proclamado pelo governo, Deserto.

Numa localidade desse deserto, denominada Vendas Novas, existia um SAP. SAP mais não é do que um nome pomposo para os velhinhos centros de saúde, com serviço de urgência, que existem nas mais diversas povoações por esse país fora.

Sucede porém que, de forma a desertificar ainda mais o interior e empurrar as pessoas para os centro urbanos, o actual governo decidiu fechar os serviços de urgência nalguns desses SAP's, tornando assim a vida ainda mais difícil em diversas terras por esse Portugal adentro. Não discuto nem nunca discuti estas medidas, são posições políticas, que desagradam as populações, mas não passam disso mesmo, foram tomadas por um ministro da saúde, membro de um governo democraticamente eleito, que, ao fim de 4 anos, vai a votos... Acho normal, um orçamento é como um cobertor e, nos dias que correm, esse cobertor vai ficando cada vez mais pequeno, um governo é eleito e tem de prejudicar uns para beneficiar outros, de forma a conjugar os diversos interesses em questão.

Sucede porém, que o Município de Vendas Novas, exercendo o seu direito de acesso aos tribunais e representando os interesses da população que, democraticamente, o elegeu, não concordando com a decisão do senhor ministro, recorreu aos tribunais. O tribunal de Beja, uma das capitais do Deserto, apreciando o direito em questão, resolveu tomar uma decisão, provisória, que suspendeu a decisão de encerramento das urgências do mencionado centro, mantendo tudo como estava antigamente, até uma decisão final. A decisão obrigava mesmo à "reinstalação das urgências e ao seu funcionamento 24 horas por dia".

Aqui começa o busílis da questão...

O Juiz do Deserto ofendeu o Ministro, e por interposta pessoa, o governo da Nação. A decisão foi tomada no passado dia 5 de Junho de 2007. Data histórica para os habitantes de Vendas Novas, pois voltaram, pelo menos temporariamente, a ter um centro de saúde. Acontece que, quiçá por no deserto não existir fax ou mail, ou mesmo um simples telefone que conseguisse transmitir a decisão do tribunal ao senhor ministro, o Governo decidiu não reabrir as urgências. Nada disso... até prova em contrário o governo é que sabe, e até chegar uma carta registada com aviso de recepção selada a lacre e remetida pelo muy nobre e leal doutor juiz de Beja, Sua Excelência o Excelso ministro da Saúde da Nação não mexe uma palha.

Ora que diabo, azar dos azares, na passada terça-feira, dia 12 de Junho de 2007, morreu uma senhora porque demorou mais de 40 minutos entre o SAP de Vendas Novas e o Hospital de Évora, "vitima de uma paragem cardio-respiratória".

A indignação é geral, então o tribunal não tinha mandado já reabrir as urgências? Ah! Ah! Eis senão quando, num passe de mágica, surge um comunicado do gabinete do senhor ministro a dizer que, apesar da decisão ter sido tomada no dia 5/06, só lhes foi comunicada no dia 14/06, ou seja, dois dias depois da senhora ter morrido.

Que sorte pá, disseram logo os membros do gabinete no tom mais solene que conseguiram desencantar. E surge então o comunicado mais incrível que eu já vi em toda a minha vida. Diz o seguinte: O ministério recebeu a decisão no dia 14 às 19h15, como já não era possível reabrir nesse mesmo dia o centro, ordenaram o cumprimento da sentença na sexta-feira "dado que na quinta era manifestamente impossível". Mas atenção, não se julgue que o ministro se fica, "vai ser prontamente interposto recurso desta decisão". O inenarrável comunicado termina com um lacónico "o ministério da saúde cumpre a lei e as decisões dos tribunais".

Que azar que teve a senhora... se ministério tem sabido desta decisão mais cedo, uma vez que cumpre as decisões dos tribunais, o serviço tinha sido logo reaberto, e talvez ela hoje estivesse viva...

É pena que no Deserto as decisões demorem tanto tempo a chegar a quem de direito, e que não haja telefones, nem faxes, nem e-mails, nem comunicação social, nem os advogados do ministério, nem assessores, nem um simples filho da puta que tivesse comunicado esta decisão ao indiscritível e completamente estúpido ministro da saúde que nós temos nesta merda deste país....

É pena!!!

2 comments:

Tiago Pestana de Vasconcelos said...

Queria apenas acrescentar ao post, o seguinte comunicado emitido pelo porta-voz do movimento de Cidadãos Independentes em Defesa das Urgências de Vendas Novas:

«A população de Vendas Novas, com excepção daqueles que faleceram, devido à arrogância do governo, está de parabéns»

Anonymous said...

Será que o povo se vai manter "sereno" por muito mais tempo?
Lá chegará o dia em que se gritará "ÀS ARMAS!" e se correrá com esta corja que Abril pariu...
"Como pode este País ir a algum lado se somos governados pelos filhos das nossas sopeiras?"- Peixe A. dixit.....